Quando comer dói: como é conviver com uma alergia alimentar séria [Entrevista para a Revista Glamour]

Sarah Soares é uma garota como qualquer outra no auge dos seus 26 anos. Trabalha, vê Netflix, dá uns rolês. Mas uma descoberta tem a desafiado nos últimos anos: a descoberta de alergias alimentares. Após muitas investigações com dermatologistas, alergistas e nutrólogos, ela teve que restringir sua alimentação a apenas 100 itens. Parece bastante? Aqui entram, inclusive, os temperos e bebidas. Leite, ovo, trigo, soja, amendoim e castanhas são estritamente proibidos. Carne, peixes e frutos do mar? Ela só pôde voltar a comer depois de três anos sem eles.

O tratamento começou em outubro de 2018. Na fase inicial, ela chegou a perder 5 quilos por conta da diminuição das inflamações no organismo, que deixavam seu corpo inchado. Aquela história de comer algo espontaniamente, só porque deu vontade? Esquece. Para Sarah, comer algo de forma impulsiva pode ter reações graves e (muito) doloridas.

Feridas nas mãos de Sarah Soares graças às suas alergias (Foto: Divulgação)
Feridas nas mãos de Sarah Soares graças às suas alergias (Foto: Divulgação)

Ao sair, anda com sua marmita à tiracolo ou come em casa. Mas, antes de chegar nesse estágio de conscientização, Sarah se isolou por causa das reações alérgicas que provocam feridas na pele. “Desde criança tenho dermatite, e acho que já tinha alguma alergia alimentar naquela época. Na adolescência, tive reações que variavam entre bolhas, manchas e muito inchaço. Meu corpo ficava deformado. As manchas evoluíam para feridas, que também doíam. Meus pais me levavam em dermatologistas, que não davam um diagnóstico certo: uns diziam que não tinha cura, outros que era dermatite de contato”, explica. Tudo mudou quando ela foi em um alergista.

A primeira etapa do tratamento foi tirar da alimentação ovo, leite, trigo e soja. Ela chegou a ficar seis meses em dieta totalmente restritiva, além de tomar vários antialérgicos – eram 7 comprimidos diferentes. Fez exames regulares de sangue e na pele. Nunca ficou em um estado 100%, o que fez Sarah procurar uma nutróloga e fazer psicoterapia, para agilizar o processo de cura do corpo e da mente.

A ajuda do parceiro, Gabriel, também é fundamental. Na casa deles, não entram alimentos que ela não pode comer. “Ele me ajuda a descobrir novas receitas, entender como vou seguir com o tratamento e me dar suporte nos momentos de crise”, detalha Sarah. Aprendeu que a primeira reação ocorre no intestino – ela tem episódios de fortes dores abdominais. O que aparece na pele é resultado de um organismo e sistema imunológico debilitados por alimentos que podem ser tóxicos. Por conta disso tudo, passou a ficar mais cautelosa, não come fora para evitar contaminação. O cuidado tem dado certo: quando as alergias aparecem, cicatrizam em uma semana. Mas a jornalista continua as investigações médicas.
Olhares curiosos que machucam mais que as alergias

Sarah Soares (Foto: Divulgação)
Sarah Soares (Foto: Divulgação)

Conviver com os olhares de curiosos que perguntam o que ela tem, se é grave ou contagioso, fez com que muitas vezes Sarah se isolasse ou ficasse triste. “O olhar e a reação das pessoas sobre as alergias na minha pele eram um lembrete de que eu tinha um problema sério. Mesmo com várias restrições, eu era incapaz de resolver, como se eu fosse uma aberração. Um reforço físico e emocional que me dava a impressão de que habitar meu corpo não era bom. Em um momento mais grave, tinha bolhas, manchas e inchaços, não usava mais qualquer roupa que mostrasse meu corpo. Só tinha vontade de chorar quando olhava para mim naquele estado”. Para buscar equilíbrio em sua saúde, ela precisou se aceitar.

Fazendo as pazes com o prato, o corpo e a vida ao redor


Encarar de forma positiva a convivência com os processos alérgicos fez Sarah estudar o assunto e descobrir que nem tudo o que a gente come é alimento. Sua sina de vida se transformou em objeto do TCC, defendido em dezembro de 2018. Formada em jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina, Sarah mantém um canal no YouTube e um perfil no Instagram, o Alérgico. Nele, sensibiliza e alerta outras pessoas a encarar de frente a questão e ir além: desmitificar que não se trata de mimimi, já que é algo sério e atinge uma parcela da população mundial. “Nesse processo, fui descobrindo pessoas com alergias. Em especial crianças. É triste ver como as mães são tratadas como loucas, julgadas pelo cuidado excessivo. O TCC foi a reconciliação com tudo isso”.

Feridas nas mãos de Sarah Soares graças às suas alergias (Foto: Divulgação)
Feridas nas mãos de Sarah Soares graças às suas alergias (Foto: Divulgação)

De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), 2% dos adultos têm alguma alergia alimentar.  Traduzindo: no mundo todo, são mais de 141 milhões de pessoas sofrendo com este problema, considerando os 7,53 bilhão de habitantes na Terra. Em crianças, a taxa aumenta para 8%. Dra. Ana Carolina Rozalem Reali, do Departamento Científico de Alergia Alimentar da ASBAI alerta que nem toda reação adversa a um alimento é uma alergia. “Para ser alergia alimentar, o sistema imunológico deve apresentar uma mesma reação todas as vezes que se ingere um tipo de alimento”. A questão foi tema da Semana Mundial de Alergia, iniciativa da World Allergy Organization (WAO) e da ASBAI, realizada entre os dias 07 e 13 de abril. Com cuidado é possível reverter o cenário e ter uma vida equilibrada e feliz. “Não comer uma comida que se gosta, mas que faz mal, é um ato de amor próprio”, finaliza Sarah.

Fonte: https://revistaglamour.globo.com/Beleza/Pele/noticia/2019/04/quando-comer-doi-como-e-conviver-com-uma-alergia-alimentar-seria.html

SOBRE A AUTORA

Ana Carolina Rozalem Reali é médica pediatra, alergista e imunologista. Atende crianças e adultos com doenças alérgicas em busca de melhor qualidade de vida.